Batismo de Sangue: Um olhar histórico através da perspectiva cinematográfica



Eder Fábio Alves
Murilo Silvério Pereira
Paulo Henrique Viana

Este trabalho tem como enfoque apresentar aos alunos do Ensino Médio uma proposta de análise do filme ‘Batismo de Sangue’, do diretor Helvécio Ratton. O filme aborda elementos significativos como: a repressão e tortura na ditadura militar, a resistência através de uma organização clandestina e o apoio, a esta, de membros da Igreja Católica. Elementos estes, essenciais, para uma análise daquele período conturbado. Propomos uma discussão à respeito deste período da História do Brasil, onde alguns membros de uma ala da igreja – os frades dominicanos, deram apoio à ALN (Ação Libertadora Nacional), uma organização clandestina que se rebelava contra os militares através da guerrilha urbana, que tinha como líder Carlos Marighella.
De maneira geral, as igrejas cristãs propõem aos fiéis um respeito às autoridades, às hierarquias político-sociais , mas o filme vem nos mostrar que houve certa desobediência, por parte de um grupo de frades dominicanos.
Com o golpe militar, em 1964, a instauração de um regime autoritário trouxe consigo as marcas do desrespeito aos direitos civis, políticos e sociais. Somente a partir da década de 1970 é que a igreja passa a denunciar o autoritarismo.

“Durante a XI Assembléia Geral da CNBB, em maio de 1970, foi produzido um documento que denunciava os abusos do regime militar contra os direitos humanos e sociais: Não podemos admitir as lamentáveis manifestações de violência, traduzidas na forma de assaltos, seqüestros, mortes ou quaisquer outras modalidades de terror. Pensamos no exercício da justiça, que, sinceramente, cremos estar sendo violentado, com freqüência, por processos levados morosa e precariamente, por detenções efetuadas em base a suspeitas ou acusações precipitadas, por inquéritos instaurados e levados adiante por vários meses, em regime de incomunicabilidade das pessoas e em carência, não raro, do fundamental direito de defesa” (CNBB, 1970-1971, p. 85-86) .

O documento é uma forte denúncia sobre o autoritarismo absoluto. Os episódios que se seguiram ao AI-5 foram decisivos para uma atuação mais crítica da Igreja. Durante a apresentação do filme serão levantadas questões e problematizações que terão como intuito abranger o conhecimento histórico social de um fato marcante e polêmico na História do Brasil. Mas que também abrangerá discussões a respeito de análises técnicas do elemento audiovisual como fonte histórica e não simplesmente um entretenimento. “Hoje em dia, a principal fonte de conhecimento histórico para a maioria da população é o meio audiovisual” .
Cristiane Nova, ex-diretora de redação da revista O Olho da História e estudiosa do assunto, partilha da mesma consideração: “Essa é uma verdade incontestável no mundo contemporâneo (…) a imagem domina as esferas do cotidiano do indivíduo urbano. E, em grande medida, esse fato deve-se à existência e à popularização dos filmes ditos históricos” .
O aluno deverá perceber ainda, os elementos reais e de ficção presentes no filme e também como o diretor vem nos apresentar o repressor e o reprimido.
A linguagem cinematográfica pode ser inserida nas discussões educacionais através da necessidade de se verificar o que certos acontecimentos podem significar para a concepção de determinado grupo, sociedade ou cultura.

“… a partir da década de 1960, quando as relações teórico-metodológicas entre o cinema e história tornaram-se objeto de estudo sistemático por parte de alguns historiadores, especialmente Marc Ferro e Pierre Sorlin, ligados á Escola dos Annales, no momento em que a historiografia ampliava seus horizontes e apresentava novos métodos e objetos de análise” .

Antes deste período, o que não era escrito, não era valorizado enquanto registro histórico. Não tinha como enquadrar o filme, a imagem, no rol das fontes documentais.
Hoje a análise de um filme implica na integração do cinema ao mundo social, um confronto da obra cinematográfica com elementos não cinematográficos: o diretor, a produção, o contexto, eixo ideológico, espaço social e cultural.
O cinema deve ser considerado como um texto e sua análise deve levar em conta seu caráter narrativo. O filme é uma mensagem de mensagens, formado por categorias e materiais significantes, de sinais a decodificar, tais como: a ilusão do momento, textos escritos, imagens fotográficas. Na questão do áudio: falas gravadas e incorporadas ao filme, trilha sonora, etc. Além dos textos explicitados há outros implícitos, como o roteiro, o movimento das câmeras, a montagem do filme. Para que ocorra a decodificação implica-se a relação com a historicidade, com a arte (tecnologia utilizada), visões de mundo, diferentes culturas e ideologias .
A utilização do cinema na educação

“… é importante porque traz para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados…” .

Ao partir para a análise de um filme não se deve desqualificar este por não apresentar a verdade acabada dos fatos, pois, o que é uma verdade acabada do ponto de vista histórico?
Nossa proposta de trabalho em sala de aula se dará com o objetivo de incentivar os alunos a formulação de uma resenha que enfoque a Ditadura Militar, e utilizando o filme ‘Batismo de Sangue’ como fonte.
A utilização do cinema, tanto como fonte de pesquisa acadêmica ou como uma metodologia de ensino aplicada em sala de aula, é tão pertinente quanto a utilização de fontes ou metodologias escritas, pois um filme pode dizer tanto quanto um livro. Segundo o historiador Marc Ferro qualquer filme é passível de análise histórica e não somente aqueles que retratam os fatos e as personalidades presentes nos processos históricos.

Referências Bibliográficas:

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano (vol. 4). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

FRANÇA, Andréa. Terras e Fronteiras no cinema contemporâneo. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.

NASCIMENTO, Jairo Carvalho do. Cinema e Ensino de História: Realidade Escolar, Propostas e Práticas na sala de aula. In: Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 5, nº 2, jun. 2008.

Batismo de Sangue: Fé e Política no Brasil dos Anos 60

Adriano da Silva
Brasil, 1964. Em 31 de março, sob o pretexto de conter o avanço do comunismo e contando com apoio irrestrito de diversos seguimentos da sociedade, como a Igreja, os partidos conservadores e principalmente os militares, o presidente democraticamente eleito João Goulart é deposto em função de um golpe de Estado.Inicia – se nesse período, a mais longeva e brutal ditadura que os brasileiros conheceram ao longo do século XX. A partir de 1968, no entanto, o que já era ruim ficou ainda pior, quando em 13 de dezembro o então presidente General Arthur da Costa e Silva, decreta o Ato Institucional nº 5 cassando direitos políticos e civis dos cidadãos.

Esta pequena contextualização histórica do período é necessária para entendermos melhor o cenário político abordado no filme Batismo de Sangue, do diretor mineiro Helvécio Ratton. Inspirado na obra homônima do também mineiro Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto. O filme ambientado nos difíceis anos do final da década de 1960 retrata a dura realidade de jovens idealistas de classe média que se envolveram no combate a ditadura.

O perfil desses jovens, porém, diferia substancialmente dos demais militantes que se engajaram na luta armada contra o regime de exceção. Em Batismo de Sangue podemos ver a ligação política dos frades dominicanos, com a principal organização guerrilheira formada no Brasil em 1967, a Ação Libertadora Nacional, que tinha a frente militantes comunistas históricos como Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.

O assassinato de Marighella, pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury em 4 de novembro de 1969, serve como um fio condutor no desenrolar da trama. Uma vez descoberta pela repressão o envolvimento dos dominicanos com a ALN de Marighella, iniciou – se um minucioso processo, com o objetivo de assassinar o líder guerrilheiro.

Fiel a narrativa do livro escrito por Frei Betto, o diretor Helvécio Ratton retrata no filme o caminho percorrido pelos dominicanos e consequentemente por uma parcela da Igreja Católica, que no final dos anos 1960, começava a abrir os olhos contra as arbitrariedades perpetradas pelo regime de exceção.

Desse modo, podemos ver simultaneamente a trajetória dos freis: Fernando, Ivo, Osvaldo, Betto e Tito de Alencar Lima brilhante estudante de filosofia e um dos organizadores do congresso estudantil de Ibiúna no interior de São Paulo.

Em decorrência deste engajamento, os frades dominicanos acabaram sendo tragados pela turbulência política, que vigorava no Brasil de então, caindo nas malhas da repressão no controverso episódio que culminou com o assassínio de Carlos Marighella.

Helvécio Ratton, ele próprio militante político deste período, buscou demonstrar de forma crua e direta, a brutalidade que caracterizou os porões da ditadura, sobretudo nas cenas de tortura que envolviam os frades Fernando e Ivo, além é claro de Frei Tito, cujo testemunho de vida acabou influenciando enormemente na condenação do regime que reinava no país, por parte da opinião pública internacional.

Os personagens envolvidos no episódio retratado no filme tiveram destinos diferentes, após passarem pelo calvário das torturas, julgamentos e prisões. Os freis Fernando, Osvaldo e Betto autor do livro, continuaram suas vidas conciliando fé e política apoiando movimentos sociais e partidos políticos,
Ivo Lesbaupin também continuou atuando politicamente, porém abandonou a ordem dos dominicanos tornando – se leigo, Frei Tito suicidou – se no exílio francês em 1974, ao não suportar os tormentos decorrentes das torturas que sofrera no DOPS e no Presídio Tiradentes, e o delegado Sérgio Paranhos Fleury morreu num suposto afogamento no litoral norte paulista, no início dos anos 80.

O filme de Ratton tem acima de tudo, o mérito de demonstrar as novas gerações que a democracia em que vivemos hoje, foi conquistada com o sangue de muitos homens e mulheres que se lançaram a combater a tirania e a opressão. Além do que, reforça as palavras de Dom Paulo Evaristo Arns ao prefaciar o livro Brasil Nunca Mais: “os povos que não podem ou não querem confrontar – se com seu passado histórico, estarão condenados a repeti – lo”.

Sobre estantedehistoria
Jornalista e historiadora

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