Batismo de Sangue: Um olhar histórico através da perspectiva cinematográfica



Eder Fábio Alves
Murilo Silvério Pereira
Paulo Henrique Viana

Este trabalho tem como enfoque apresentar aos alunos do Ensino Médio uma proposta de análise do filme ‘Batismo de Sangue’, do diretor Helvécio Ratton. O filme aborda elementos significativos como: a repressão e tortura na ditadura militar, a resistência através de uma organização clandestina e o apoio, a esta, de membros da Igreja Católica. Elementos estes, essenciais, para uma análise daquele período conturbado. Propomos uma discussão à respeito deste período da História do Brasil, onde alguns membros de uma ala da igreja – os frades dominicanos, deram apoio à ALN (Ação Libertadora Nacional), uma organização clandestina que se rebelava contra os militares através da guerrilha urbana, que tinha como líder Carlos Marighella.
De maneira geral, as igrejas cristãs propõem aos fiéis um respeito às autoridades, às hierarquias político-sociais , mas o filme vem nos mostrar que houve certa desobediência, por parte de um grupo de frades dominicanos.
Com o golpe militar, em 1964, a instauração de um regime autoritário trouxe consigo as marcas do desrespeito aos direitos civis, políticos e sociais. Somente a partir da década de 1970 é que a igreja passa a denunciar o autoritarismo.

“Durante a XI Assembléia Geral da CNBB, em maio de 1970, foi produzido um documento que denunciava os abusos do regime militar contra os direitos humanos e sociais: Não podemos admitir as lamentáveis manifestações de violência, traduzidas na forma de assaltos, seqüestros, mortes ou quaisquer outras modalidades de terror. Pensamos no exercício da justiça, que, sinceramente, cremos estar sendo violentado, com freqüência, por processos levados morosa e precariamente, por detenções efetuadas em base a suspeitas ou acusações precipitadas, por inquéritos instaurados e levados adiante por vários meses, em regime de incomunicabilidade das pessoas e em carência, não raro, do fundamental direito de defesa” (CNBB, 1970-1971, p. 85-86) .

O documento é uma forte denúncia sobre o autoritarismo absoluto. Os episódios que se seguiram ao AI-5 foram decisivos para uma atuação mais crítica da Igreja. Durante a apresentação do filme serão levantadas questões e problematizações que terão como intuito abranger o conhecimento histórico social de um fato marcante e polêmico na História do Brasil. Mas que também abrangerá discussões a respeito de análises técnicas do elemento audiovisual como fonte histórica e não simplesmente um entretenimento. “Hoje em dia, a principal fonte de conhecimento histórico para a maioria da população é o meio audiovisual” .
Cristiane Nova, ex-diretora de redação da revista O Olho da História e estudiosa do assunto, partilha da mesma consideração: “Essa é uma verdade incontestável no mundo contemporâneo (…) a imagem domina as esferas do cotidiano do indivíduo urbano. E, em grande medida, esse fato deve-se à existência e à popularização dos filmes ditos históricos” .
O aluno deverá perceber ainda, os elementos reais e de ficção presentes no filme e também como o diretor vem nos apresentar o repressor e o reprimido.
A linguagem cinematográfica pode ser inserida nas discussões educacionais através da necessidade de se verificar o que certos acontecimentos podem significar para a concepção de determinado grupo, sociedade ou cultura.

“… a partir da década de 1960, quando as relações teórico-metodológicas entre o cinema e história tornaram-se objeto de estudo sistemático por parte de alguns historiadores, especialmente Marc Ferro e Pierre Sorlin, ligados á Escola dos Annales, no momento em que a historiografia ampliava seus horizontes e apresentava novos métodos e objetos de análise” .

Antes deste período, o que não era escrito, não era valorizado enquanto registro histórico. Não tinha como enquadrar o filme, a imagem, no rol das fontes documentais.
Hoje a análise de um filme implica na integração do cinema ao mundo social, um confronto da obra cinematográfica com elementos não cinematográficos: o diretor, a produção, o contexto, eixo ideológico, espaço social e cultural.
O cinema deve ser considerado como um texto e sua análise deve levar em conta seu caráter narrativo. O filme é uma mensagem de mensagens, formado por categorias e materiais significantes, de sinais a decodificar, tais como: a ilusão do momento, textos escritos, imagens fotográficas. Na questão do áudio: falas gravadas e incorporadas ao filme, trilha sonora, etc. Além dos textos explicitados há outros implícitos, como o roteiro, o movimento das câmeras, a montagem do filme. Para que ocorra a decodificação implica-se a relação com a historicidade, com a arte (tecnologia utilizada), visões de mundo, diferentes culturas e ideologias .
A utilização do cinema na educação

“… é importante porque traz para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados…” .

Ao partir para a análise de um filme não se deve desqualificar este por não apresentar a verdade acabada dos fatos, pois, o que é uma verdade acabada do ponto de vista histórico?
Nossa proposta de trabalho em sala de aula se dará com o objetivo de incentivar os alunos a formulação de uma resenha que enfoque a Ditadura Militar, e utilizando o filme ‘Batismo de Sangue’ como fonte.
A utilização do cinema, tanto como fonte de pesquisa acadêmica ou como uma metodologia de ensino aplicada em sala de aula, é tão pertinente quanto a utilização de fontes ou metodologias escritas, pois um filme pode dizer tanto quanto um livro. Segundo o historiador Marc Ferro qualquer filme é passível de análise histórica e não somente aqueles que retratam os fatos e as personalidades presentes nos processos históricos.

Referências Bibliográficas:

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano (vol. 4). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

FRANÇA, Andréa. Terras e Fronteiras no cinema contemporâneo. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.

NASCIMENTO, Jairo Carvalho do. Cinema e Ensino de História: Realidade Escolar, Propostas e Práticas na sala de aula. In: Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 5, nº 2, jun. 2008.

Batismo de Sangue: Fé e Política no Brasil dos Anos 60

Adriano da Silva
Brasil, 1964. Em 31 de março, sob o pretexto de conter o avanço do comunismo e contando com apoio irrestrito de diversos seguimentos da sociedade, como a Igreja, os partidos conservadores e principalmente os militares, o presidente democraticamente eleito João Goulart é deposto em função de um golpe de Estado.Inicia – se nesse período, a mais longeva e brutal ditadura que os brasileiros conheceram ao longo do século XX. A partir de 1968, no entanto, o que já era ruim ficou ainda pior, quando em 13 de dezembro o então presidente General Arthur da Costa e Silva, decreta o Ato Institucional nº 5 cassando direitos políticos e civis dos cidadãos.

Esta pequena contextualização histórica do período é necessária para entendermos melhor o cenário político abordado no filme Batismo de Sangue, do diretor mineiro Helvécio Ratton. Inspirado na obra homônima do também mineiro Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto. O filme ambientado nos difíceis anos do final da década de 1960 retrata a dura realidade de jovens idealistas de classe média que se envolveram no combate a ditadura.

O perfil desses jovens, porém, diferia substancialmente dos demais militantes que se engajaram na luta armada contra o regime de exceção. Em Batismo de Sangue podemos ver a ligação política dos frades dominicanos, com a principal organização guerrilheira formada no Brasil em 1967, a Ação Libertadora Nacional, que tinha a frente militantes comunistas históricos como Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.

O assassinato de Marighella, pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury em 4 de novembro de 1969, serve como um fio condutor no desenrolar da trama. Uma vez descoberta pela repressão o envolvimento dos dominicanos com a ALN de Marighella, iniciou – se um minucioso processo, com o objetivo de assassinar o líder guerrilheiro.

Fiel a narrativa do livro escrito por Frei Betto, o diretor Helvécio Ratton retrata no filme o caminho percorrido pelos dominicanos e consequentemente por uma parcela da Igreja Católica, que no final dos anos 1960, começava a abrir os olhos contra as arbitrariedades perpetradas pelo regime de exceção.

Desse modo, podemos ver simultaneamente a trajetória dos freis: Fernando, Ivo, Osvaldo, Betto e Tito de Alencar Lima brilhante estudante de filosofia e um dos organizadores do congresso estudantil de Ibiúna no interior de São Paulo.

Em decorrência deste engajamento, os frades dominicanos acabaram sendo tragados pela turbulência política, que vigorava no Brasil de então, caindo nas malhas da repressão no controverso episódio que culminou com o assassínio de Carlos Marighella.

Helvécio Ratton, ele próprio militante político deste período, buscou demonstrar de forma crua e direta, a brutalidade que caracterizou os porões da ditadura, sobretudo nas cenas de tortura que envolviam os frades Fernando e Ivo, além é claro de Frei Tito, cujo testemunho de vida acabou influenciando enormemente na condenação do regime que reinava no país, por parte da opinião pública internacional.

Os personagens envolvidos no episódio retratado no filme tiveram destinos diferentes, após passarem pelo calvário das torturas, julgamentos e prisões. Os freis Fernando, Osvaldo e Betto autor do livro, continuaram suas vidas conciliando fé e política apoiando movimentos sociais e partidos políticos,
Ivo Lesbaupin também continuou atuando politicamente, porém abandonou a ordem dos dominicanos tornando – se leigo, Frei Tito suicidou – se no exílio francês em 1974, ao não suportar os tormentos decorrentes das torturas que sofrera no DOPS e no Presídio Tiradentes, e o delegado Sérgio Paranhos Fleury morreu num suposto afogamento no litoral norte paulista, no início dos anos 80.

O filme de Ratton tem acima de tudo, o mérito de demonstrar as novas gerações que a democracia em que vivemos hoje, foi conquistada com o sangue de muitos homens e mulheres que se lançaram a combater a tirania e a opressão. Além do que, reforça as palavras de Dom Paulo Evaristo Arns ao prefaciar o livro Brasil Nunca Mais: “os povos que não podem ou não querem confrontar – se com seu passado histórico, estarão condenados a repeti – lo”.

Canudos: a sétima arte como cenário histórico

Alessandra Mara de Melo Rosa
Este artigo tem como objetivo principal levar os alunos do Ensino Médio a analisar o filme “Canudos”, dirigido por Sérgio Rezende. O filme aborda aspectos importantes como o conflito de Antônio Conselheiro e seus beatos com os soldados do presidente Prudente de Morais, em uma fase conturbada da história do Brasil, onde se acredita que Conselheiro e seus seguidores eram adeptos a volta da monarquia, fato este nunca constatado realmente.

A guerra de Canudos foi um confronto entre o exército brasileiro e integrantes de um movimento de cunho popular com pano de fundo sócio-religioso, liderado por Antônio Conselheiro e durou de 1896 a 1897, na comunidade de Canudos no interior da Bahia; mas com a chegada de Conselheiro e seus seguidores o lugar foi rebatizado de Belo Monte.

O episódio ocorreu por vários motivos: como a forte crise econômica e social passada na região naquela época, os latifúndios improdutivos, as fortes secas e o grande desemprego. Fazendeiros daquela região se juntaram com a igreja e pressionaram o governo contra Conselheiro, falava-se que Conselheiro e seus seguidores iriam invadir cidades vizinhas e marchavam em direção a capital para derrubar o governo e instaurar a monarquia.
Após várias expedições na tentativa de invasão e destruição de Canudos frustradas, vem o último e definitivo golpe contra esses bravos, com a “matadeira”, foi o fim de Belo Monte e de sua população. Onde muitos foram degolados e todas as casas incendiadas.
Os filmes são ótimas fontes para o estudo de história, pois podem abordar aspectos do cotidiano em determinadas épocas, vestuário, hábitos alimentares, entre outros. A sétima arte recria cenários históricos de uma maneira diferente e pode tornar o ensino mais interessante e interativo.

E foi a partir das décadas de 1960, 1970 com o movimento da renovação da historiografia francesa (Nova Escola) surgiram novos métodos de se representar a história, a Nova História trouxe não só os documentos (escrito) como fontes, mas também o oral, o ilustrado, a música, o cinema:

“… a partir da década de 1960, quando as relações teórico-metodológicas entre o cinema e história tornaram-se objeto de estudo sistemático por parte de alguns historiadores, especialmente Marc Ferro e Pierre Sorlin, ligados à Escola dos Annales, no momento em que a historiografia ampliava seus horizontes e apresentava novos métodos e objetos de análise.”

Estamos na era da informação, a cada dia estamos mais atentos aos fatos, recebemos todo tipo de informação através do rádio, televisão, internet e vários outros, a partir daí pensemos a influência da mídia na formação do conhecimento humano:
“Essa é uma verdade incontestável no mundo
contemporâneo […] a imagem domina as esferas do cotidiano do indivíduo urbano. E, em grande medida, esse fato deve-se à existência e à popularização dos filmes ditos históricos.”

A educação hoje exige novos pressupostos, o uso de novas fontes que se tornaram legitimadas, como outras fontes que anteriores a essa eram as únicas tidas como legítimas, assim a escola deve re-pensar suas práticas pedagógicas e introduzir essas novas fontes, como o uso da iconografia e do cinema como fontes históricas para os alunos:

“O ofício não é imutável. Suas transformações passam principalmente pela emergência de novas competências […] ou pela acentuação de competências reconhecidas, por exemplo, para enfrentar a crescente heterogeneidade dos efetivos escolares e a evolução dos programas.
Todo referencial tende a se desatualizar pela mudança das práticas e, também, porque a maneira de concebê-las se transforma.”

É evidente que após assistir o filme em sala de aula, o aluno precisa estar preparado a apresentar criticidade sobre o mesmo. E perceber ainda, os elementos reais e de ficção presentes no filme.

É explicito que o professor como mediador na sala de aula deve ter consciência de sua responsabilidade ao trazer essas novas fontes para a sala e estar preparado a responder os diversos questionamentos que irão surgir.

Percebe-se que no âmbito escolar o filme é levado aos alunos somente como mera ilustração do conteúdo aplicado, professores estes ainda presos ao livro didático, ao modo tradicionalista de “passar o conhecimento” será que dessa forma se passa conhecimento? Deve-se acentuar a importância do cinema como fonte histórica e nos preocuparmos em preparar nossos alunos a analisar criticamente essas fontes, nós professores devemos ter o domínio do filme e do conteúdo veiculado a ele:

“… é importante porque traz para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados…”

Minha proposta então se refere a incentivar o aluno em sala de aula a construir um texto crítico abordando a Guerra de Canudos, utilizando o filme “Canudos” como fonte.

O cinema possui mensagens que traduzem valores culturais, sociais e ideológicos de uma sociedade, por isso ele é tão importante na ação pedagógica hoje no âmbito escolar.

Referências bibliográficas:

NASCIMENTO, Jairo Carvalho do. Cinema e Ensino de História: Realidade Escolar, Propostas e Práticas na sala de aula. In: Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 5, nº 2, p. 1, jun. 2008.

NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. Olho da História, Salvador, v. 2, n. 3, p. 226, nov. 1996.

PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 14.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

“É Proibido Proibir!”: as canções de protesto no contexto da ditadura militar

Ana Rosa Oliveira Reis
Frederico César Gonçalves Fernandes
Justo Tadeu de Paiva
Rodrigo Franco Vilhena

“Você me corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto”.
Pesadelo – M. Tapajós e Paulo C. Pinheiro

A música é um dos tipos de arte mais presentes no dia-a-dia das pessoas, um meio de comunicação e de manifestação cultural popular que cotidianamente produzido, aproxima o indivíduo das relações sociais vigentes, permitindo através de sua audição e análise uma maior compreensão do cotidiano, e das realidades que o cerca, pois como nos alude Napolitano: “A música é a interprete de dilemas nacionais e veículo de utopias sociais; canta o futebol, o amor, a dor, um cantinho e o violão” .Desde a década de 70 quando o ensino passa por uma série de transformações pedagógicas e as necessidades e possibilidades de se diversificar o ensino tornando-o mais dinâmico e inclusivo é algo evidente, em diferentes áreas do saber, mas, sobretudo no âmbito da História “a música tem se tornado objeto de pesquisa de historiadores […] e sido utilizada como material didático com certa freqüência nas aulas de História” .

Conforme nos mostram os PCN’s, a música é uma importante fonte e recurso para se conhecer e trabalhar a história, no sentido de que “sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época”, portanto carregada de historicidade. Além do mais, ela expressa em si, a diversidade de pensamentos, o que possibilita através do seu contato o desenvolvimento de competências ligadas à leitura e interpretação de textos, além da formação do censo crítico e socialmente consciente do aluno:

Abre-se aí um campo fértil às realizações interdisciplinares, articulando os conhecimentos de História com aqueles referentes à Língua Portuguesa, à Literatura, à Música e a todas as Artes, em geral. Na perspectiva da educação geral e básica, enquanto etapa final da formação de cidadãos críticos e conscientes, preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na sociedade, importa reconhecer o papel das competências de leitura e interpretação de textos como uma instrumentalização dos indivíduos, capacitando-os à compreensão do universo caótico de informações e deformações que se processam no cotidiano .

Neste contexto pensando na música como fonte histórica e na forma como esta se associa às relações e conflitos sociais em diferentes momentos e situações históricas, em específico no período da ditadura militar (1964-1985), é que elaboramos a presente proposta, tendo como objetivo geral mostrar aos alunos através da leitura e audição de canções produzidas na década de 70, de que forma agia o regime ditatorial no país, e em contrapartida, de que maneira os artistas e outros diferentes setores da sociedade resistiam contra o sistema político.

Pretendemos ainda contribuir no sentido de mostrar aos alunos a importância da música como fonte histórica, proporcionando a eles a apreensão de conhecimento histórico referente ao período da Ditadura Militar (1964-1985) através da leitura e interpretação de algumas letras de músicas produzidas no período por diversos artistas ligados a MPB.

“O golpe político-militar, de 31 de março, de 1964, deu início ao mais longo período de governo ditatorial da história do Brasil. Ou, melhor dizendo, explicitamente ditatorial” . Implementado por militares e com o apoio de setores conservadores da sociedade, tais como a igreja, “latifundiários do Nordeste e do Sudeste, lideranças das forças armadas e do empresariado industrial, magnatas do capital financeiro […] e setores das classes médias asfixiadas pela inflação” , além destes, a imprensa principalmente dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, direcionou grande apoio ao golpe, os jornais: Estadão, Folha de São Paulo, O Globo, apoiaram inicialmente a ditadura, no qual o jornal Folha de São Paulo não sofreu com a censura imposta após o golpe. Mas a população, a sociedade em geral não foi favorável ao golpe político-militar.

O golpe trazia consigo o lema “Segurança e Desenvolvimento”, e o desejo de manter ainda em vigor, o velho modelo de exclusão política e social, gestado desde a época da fundação do regime republicano, principalmente, visando manter afastada das decisões políticas a maioria da população, que, desde a morte de Vargas, vinha se politizando.

Neste sentido várias medidas foram adotadas no país pelos militares que através de treze atos institucionais pretendiam controlar a sociedade brasileira, afastar o país do risco comunista, e manter o ‘status quo’ por tempo indeterminado. Com isso, como nos mostra Adriana Lopes: “A sociedade civil, aviltada descobriu, um outro Brasil, rude, autoritário, diverso daquele país generoso e “cordial” dos anos de Juscelino e seus sucessores” .

As medidas dos militares afetaram significativamente o setor cultural do país, onde por meio da repressão estabelecida pelos diversos departamentos de censura criados no país, os artistas tiveram várias de suas obras censuradas bem como a liberdade de expressão na criação de novas obras explicitamente abafada.

A música, sobretudo a música popular brasileira, foi talvez uma das manifestações artísticas e culturais do país que mais tenha sofrido com a repressão e a censura, onde é possível observar nas canções abaixo que os censores ao analisá-las, ficavam presos aos mais insignificantes detalhes, que sob a sua ótica iam contra os princípios morais e aos padrões culturais da época, mas principalmente, estavam sempre atentos às mensagens que por ventura representassem contrariedade as intencionalidades do regime.

Um primeiro exemplo é a canção “Cadê o Meu” de Chico Buarque, que acabou sendo exilado na década de 1970. Assinada com o heterônimo de Julinho da Adelaide, pseudônimo utilizado pelo artista na década de 1970 para despistar os censores, a letra foi proibida em maio de 1973, por tratar-se de “crítica desvairosa ao movimento progressista nacional” . Na observação da técnica de censura Odete Martins Lanziotti, o compositor protestava contra o ‘milagre brasileiro’, conceito de progresso nacional difundido pelo governo militar no início da década de 1970.

Cadê o Meu
Composição: Julinho da Adelaide

O meu amigo está dando mancada
no nosso negócio
eu dou um duro danado
ele vive no ócio.
Pro meu amigo
todo dia é feriado.
eu to à perigo.
ele vive folgado.

Cadê o meu?
Cadê o meu, ó meu?
Dizem que você se defendeu

É o milagre brasileiro
Quanto mais trabalho
Menos vejo dinheiro
É o verdadeiro boom
Tu tá no bem bom
Mas eu vivo sem nenhum
Eu não falo por despeito
Mas, também, se eu fosse eu
lembrava o teu, cobrava o meu direito

Censurada a canção teve trechos como “O meu amigo está dando mancada no nosso negócio. Eu dou um duro danado ele vive no ócio. Pro meu amigo todo dia é feriado. Eu to à perigo. Ele vive folgado” retirados, sendo algum tempo depois liberada para gravação sob o titulo de “Milagre Brasileiro”.

Milagre Brasileiro
Julinho da Adelaide

Cadê o meu?
Cadê o meu, ó meu?
Dizem que você se defendeu
É o milagre brasileiro
Quanto mais trabalho
Menos vejo dinheiro
É o verdadeiro boom
Tu tá no bem bom
Mas eu vivo sem nenhum
Cadê o meu?
Cadê o meu, ó meu?
Eu não falo por despeito
Mas, também, se eu fosse eu
Quebrava o teu
Cobrava o meu
Direito.

Outro exemplo é a canção “Papai me empresta o carro”, de autoria de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Enviada ao DCDP – Divisão de Censura de Diversões Públicas, na ação conjunta de dois censores, a música foi extremamente censurada, pois na visão dos censores, como podemos perceber na transcrição de trechos do parecer feitos por eles em dezembro de 1978, a música era classificada como imprópria, pois a letra atenta contra a moral e os bons costumes, valores preservados pela Divisão de Censura:

Departamento de Polícia Federal
Serviço de Censura de Diversões
Parecer: nº. 3258
Exame Censório
De acordo com o veto pelas razões abaixo:

a) a estrutura familiar binômio pai/mãe são contestados pela falta de autenticidade;
b) a afirmação de que “não tem medo de fazer o que quer” naturalmente excluída a regulamentação sócio/comportamental.
c) a linguagem frouxa (desrespeitosa): “só quero um sarro”.
d) mensagem final em metáfora: “mais hora no seu carro com meu bem. Que traduzido diz naturalmente que o sexo será no carro: o que coloca em evidência os costumes da época. Não vamos endossá-lo para mais diluir os bons costumes. […]

Rio de Janeiro 13 de dezembro de 1978
Maria A. Brum Duarte. Tec. De Cons .

Abaixo, a letra original da música enviada ao DCDP:

Papai me Empresta o Carro
Rita Lee e Roberto de Carvalho

Papai me empreste o carro
Papai me empreste o carro
To precisando dele pra levar
Minha garota ao cinema
Papai nao crio problema
Nao tenho grana pra pagar
um motel, nao sou do tipo que frequenta
bordel, vc precisa me quebrar esse galho
Entao me empreste o carro
papai me empreste o carro
Pra poder tirar um sarro com
meu bem!
Papai eu nao fumo
papai eu nao bebo
Meu unico defeito é nao ter medo
De fazer o que gosto
Papai eu aposto
Na minha idade voce pintava
o sete, mamae tem odio de uma tal
Elizete, aqui em casa eh impossivel
namorar
Entao qual eh a sua?
Eu só quero sarro
Meia hora no seu carro
com meu bem! Uuu..

Ter ou não a obra liberada era, nas palavras de Chico Buarque, roleta russa, visto que, às vezes, uma canção nem tinha a intenção, e mesmo assim, era censurada e em outras, nem era censurada, mais era feita intencionalmente. Chico Buarque foi um dos artistas e compositores mais perseguidos pela ditadura, ao todo ele teve 40 músicas vetadas. Mas como ele, muitos outros artistas tiveram muitas de suas obras censuradas.

Entretanto, mesmo diante de todas as desregradas e rígidas medidas dos censores e militares, os artistas não se redimiram e em meio a protestos abertos e conflitos, por vezes, muito violentos, eles se mostravam e expressavam contrários ante o regime político no país. Na década de 1970, após a publicação do AI – 5 ocorreu um endurecimento, ainda maior na ditadura. Assim, a fim de despistar os censores e manifestar sua opinião, os artistas mesmo sofrendo intensa repressão, e vivendo sob constante vigilância, não deixavam de escrever suas canções, utilizando deste modo do recurso metáfora, em que através de palavras com duplo sentido, e algumas expressões, “por debaixo dos panos” expressavam toda sua indignação contra o regime e aos militares.

Diversas canções foram escritas desta forma neste período, canções que hoje ouvimos, e muitas vezes, nem se quer damos conta que se trata de uma crítica disfarçada a este período.
Um exemplo é a canção “Apesar de Você”, de autoria de Chico Buarque de Holanda, que na época em que escreveu a canção, 1970, ainda usava o pseudônimo, de Julinho da Adelaide. No mesmo ano em que a seleção brasileira de futebol conquistou o tricampeonato mundial, as torturas e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime do general Médici eram constantes. Chico Buarque fez a letra dirigida exatamente à Médici, e enviou aos censores, certo de que não passaria. Mais para seu engano a canção passou e foi gravada e o compacto atingia a marca de 100 mil cópias, quando um jornal insinuou que a música era uma homenagem ao presidente. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. Chico foi chamado a um interrogatório para prestar informações e esclarecer que era o “você” mencionado na música, e respondendo disse: “É uma mulher muito mandona, muito autoritária”. A canção só foi regravada em 1978, num álbum que leva o nome do autor da música.

Apesar De Você
Chico Buarque

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão.
Apesar de você
amanhã há de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar.
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro.
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de “desinventar”.
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar.
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença.
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa.
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal.

Outro exemplo é a canção “O Bêbado e o Equilibrista”, de autoria de João Bosco e Aldir Blanc. Composta em 1979, tornou-se um símbolo da luta pela anistia. Pela volta dos exilados e pela abertura política do regime militar.

O Bêbado e A Equilibrista
João Bosco / Aldir Blanc

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona do bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens, lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas, que sufoco!
Louco, o bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil pra noite do Brasil.
Meu Brasil.
Que sonha com a volta do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete.
Chora a nossa pátria mãe gentil,
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente, a esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Asas, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar…

Na canção, Carlitos, personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população oprimida, mas que ainda, consegue manter o bom humor, denunciava as injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A equilibrista dançando na corda bamba, de sombrinha, é a esperança de todo um povo. Henrique de Sousa Filho, conhecido como Henfil, foi um cartunista, quadrinista, jornalista e escritor brasileiro. Seu irmão, Herbert José de Sousa, conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiro; concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida. Com o golpe militar, em 1964, mobilizou-se contra a ditadura, sem nunca esquecer as causas sociais. Mas, com o aumento da repressão, foi obrigado a se exilar no Chile em 1971. Maria era mãe de Betinho (irmão de Henfil) e Clarice a mulher do jornalista assassinado na ditadura, Vladimir Herzog. Mas Marias e Clarisses, no plural, fazem referência às mães, talvez irmãs ou mulheres de pessoas que se foram, ou mesmo deixaram o nosso país, lutando por um ideal, um sonho, de ver o Brasil livre para a informação e para a expressão das artes.

Podemos observar que as canções, mesmo que por meio da metáfora, fazem referência a diferentes realidades e contextos vivenciados por diferentes segmentos da sociedade no período militar. Neste sentido que a escolhemos como fonte na realização desta proposta.

E para que elas tornassem acessíveis aos alunos durante às aula, é que optamos pelo uso do rádio como veículo de transmissão destas canções, pois como nos atenta Circe Bittencourt: “se existe certa facilidade em usar a música para transformá-la em objeto de investigação. Ouvir música é um prazer, um momento de diversão, de lazer, o qual, ao entrar na sala de aula, se transforma em uma ação intelectual” .

O rádio foi escolhido também por tratar-se de um importante veículo de comunicação utilizado pelos artistas na ditadura militar, onde, mesmo que sofrendo intensa repressão, por meio deste vinculavam suas canções em diferentes programas locais, como também divulgavam a agenda dos shows, desta forma, mobilizando, e ao mesmo tempo, despertando questionamentos na população.

Realizaremos um programa de rádio que será apresentado por dois dos membros da equipe. Para a transmissão deste programa não será utilizado o recurso de gravação prévia, já que toda encenação se realizará ao vivo. Durante o programa as canções escolhidas serão tocadas, e em seguida, os comentaristas farão breves contextualizações históricas acerca das realidades vivenciadas no período que se relacionam com as idéias implícitas nas canções.

Abriremos também um espaço para que os alunos ouvintes façam participações ao vivo, e expressem assim, opiniões e posicionamentos, e troquem diálogos com os apresentadores referentes ao conteúdo do programa e das canções.
Conforme nos mostra, Napolitano:

O uso da música é importante por situar os jovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivência, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da nova geração. Apesar de todas essas vantagens, o uso da música gera sempre algumas questões .

Neste sentido, esperamos que os alunos consigam compreender através das canções ouvidas e analisadas, o conteúdo histórico da ditadura militar, e que percebam nestas músicas, uma importante fonte para se conhecer a história.

Esperamos ainda, que eles identifiquem nas letras, contextos e realidades vivenciadas pelos artistas no país durante o período ditatorial, encarando-as não só como uma forma de se expressar culturalmente, mais sim, como algo carregado de sentido político.

Fontes consultadas

Processos referentes a censura à canções expedidos por vários departamentos de censura do período ditatorial brasileiro.

Letras das canções:

Milagre Brasileiro – Julinho da Adelaide
Papai me Empresta o Carro – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Apesar De Você – Chico Buarque
O Bêbado e A Equilibrista – João Bosco / Aldir Blanc

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria. Ensino de história: fundamentos e métodos – docência em formação. Rio de Janeiro: Cortez, 2008.

BRASIL. S. de E. Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais – Arte. Brasília: ME, 1997.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano 4: o tempo da ditadura. 1 ed. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 2003.

JOVEM, Equipe. Música para quê?. In: REVISTA MUNDO JOVEM. Um jornal de Idéias. Porto Alegre-RS: PUC-RS, ano 45, n. 373, fevereiro de 2007.

LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.